Após depressão e transtorno alimentar, psicóloga cria grupo de apoio online

 
 

Joyce Peu superou a depressão e um transtorno alimentar e hoje ajuda quem passa pelos mesmos problemas. (Foto: Raul Zito/G1)

Marília Juste Do G1, em São Paulo

16.10.09

Quando tinha 17 anos, Joyce Peu sentia tristeza profunda, sofria com tonturas, dores de cabeça e tinha sentimento de desespero. Acreditando que era “gorda e disforme” a então adolescente passou a restringir ao máximo a alimentação e aumentar religiosamente a carga de exercícios.
 
 
Era um quadro preocupante, de depressão associada a um transtorno alimentar tão disfarçado quanto perigoso. Hoje, aos 29 anos, Joyce não apenas superou a doença: ela criou um grupo de apoio a meninas com transtornos alimentares, se formou psicóloga, atende pacientes e pesquisa o assunto.
 

 
 
No clima da atual novela das oito, "Viver a Vida", a Rede Globo está promovendo uma campanha para lembrar que a vida vale a pena ser vivida, apesar das dificuldades e dos obstáculos cotidianos. Venha Viver a Vida dá nome a uma série de reportagens que mostra histórias de superação, em que momentos de tristeza dão lugar à esperança. Venha Viver a Vida reúne casos exemplares, vividos por gente famosa e por anônimos. Essas reportagens são publicadas no G1, nos sites EGO, Globoesporte.com, Vídeo Show e na página oficial da novela Viver a Vida.
 

Como na maioria dos casos de depressão e transtornos alimentares, os primeiros sintomas de Joyce surgiram sorrateiros, quando ela tinha 14 anos. “Começei a eliminar alimentos gordurosos do meu cardápio e a me dedicar com muito comprometimento à prática de atividade física. A perda do peso excessivo ocorreu; a melhora na forma como eu me autoavaliava, não”, conta ela.
 
 
O caso não chamou a atenção da família nem causou alarme nos (seis) médicos que ela procurou, porque Joyce nunca apresentou os chamados “sintomas clássicos” de um distúrbio alimentar. Ela nunca forçou vômito, nunca usou remédios para emagrecer nem chegou a ser magra demais.
 

 
 
“Era, aos olhos alheios, a personificação de um estilo de vida saudável. Eu, no entanto, sabia que a forma como eu me relacionava comigo, sobretudo em relação ao meu corpo, não era saudável”, conta ela.
 

Depois de sofrer com remédios passados por um psiquiatra que, segundo ela, “não deu a devida relevância aos sintomas alimentares”, Joyce procurou a ajuda de um serviço de atendimento especializado nesse tipo de transtorno. Foi aí que que sua vida começou a mudar.
 

 
 
“Não costumo usar os termos ‘cura’ e ‘recuperação’. Encaro as situações pelas quais passei como constituintes disto que sou. Os sintomas foram ‘gritos’ de desespero que berrei e os quais tentei ouvir com a melhor acuidade possível. Fazer uma cisão entre doença e saúde é, ao meu ver, inviável, tanto quanto separar aquilo que eu fui disto que eu sou hoje. Quem há de dizer que não é saudável aquele que, em sofrimento, expressa a sua dor e procura ajuda?”, conta a hoje psicóloga.
 
 

‘Sinto Muito’

 
Em 2002, quando ainda estava em tratamento, Joyce criou o grupo virtual “Sinto Muito”.
 
 
“Eu participava de outros grupos do gênero e achava muito interessante o uso da internet como possibilidade de expressão de conflitos que, assim, mostravam-se não apenas individuais, mas também sintomas sociais. O problema era que o que se expressava em tais grupos era, em sua maior parte, uma 'gritaria' ensurdecedora: por estar em sofrimento extremo e não conseguir identificar aquilo que as fazia gritar, as pessoas acabavam por reforçar os sintomas umas das outras”, conta ela.
 

 
 
Joyce tentou transformar o “Sinto Muito” em um grupo diferente. Deu certo. “Tento conter a verborragia sobre os sintomas e incentivar que as pessoas procurem entender o que faz com que os sintomas estejam presentes”, afirma.
 

Mas o segredo do sucesso da iniciativa é um só: Joyce fala com as participantes dp grupo não como psicóloga, mas como alguém que já esteve onde elas estão. “Faço questão de, ainda que seja psicóloga especialista na área, colocar-me numa relação horizontal com os demais”, explica.
 

No grupo, há abertura para falar de tudo. As jovens são livres para conversarem sobre o que quiserem, longe dos ouvidos possivelmente censuradores de pais, amigos e médicos. Ali, elas podem tanto pedir socorro quanto simplesmente contar que não querem socorro, sem qualquer tipo de julgamento. Joyce orienta a todas, uma por uma, publicamente, através do e-mail tambemsintomuito@yahoo.com.br
 

A experiência ensinou a jovem que ignorar os problemas nunca é a solução mais adequada e que a verdadeira sabedoria é saber “entender” o outro. “Se tenho à minha frente um paciente, quero me desfazer de tudo que sei e ouvir apaixonadamente a história que ele tem a me contar sem a intenção de enquadrá-lo num ou noutro transtorno. Mais do que verificar se o sintoma que ele apresenta é de anorexia, de bulimia ou de algo sem nome - o que para mim equivaleria a tipificar o 'grito' dele -, interessa-me saber o que faz com que ele apresente aquele sintoma, ou seja, o que faz com que ele 'grite', e ajudá-lo a decifrar o enigma existente no sintoma”, diz Joyce.
 

“E se, à minha frente, estiver minha imagem refletida no espelho, quero poder enxergar quem sou sem necessitar desesperadamente dos olhos alheios para reafirmar o que vejo e quero, ainda, sentir prazer e orgulho pela minha trajetória”, conta.

O conselho de Joyce para quem passa pelo que ela já passou? “’Grite’, sim, e procure decifrar por que grita”.
 

Para conhecer o grupo e/ou participar:
https://br.groups.yahoo.com/group/sintomuitogrupo